quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

A volta, o hoje, a guerra e o que vem depois

Partir, deixar, desistir, ignorar, esquecer. Fácil ou difícil fazer isso? Depende. De muitas coisas, mas sobretudo de como você se sente. Eu não sou herói. Eu não sou corajoso. Além de ser bem preguiçoso. E não gosto de situações que dão medo ou são desconfortáveis, ou que trazem algum desafio. Detesto desafios. Detesto, porque nos obrigam a escolher e escolher é um saco. Mesmo fazendo a escolha "certa" tem sempre aquela coisa, lá no fundo da alma: " e se...? ".
Então, estando desconfortável ou com medo, é mais fácil fugir e deixar pra lá, não é? Quem dera.
Escrever é um desafio. E é desconfortável. Pensar cansa. Às vezes dói. Mas desistir, deixar pra lá, não é tão fácil quanto parece. A vontade volta. E volta. E volta.
Vivendo no meio de selvagens, se você não prestar atenção, pode se tornar um, sem sentir. Somos embrutecidos aos poucos, e nem percebemos. Tudo parece normal, banal.

Agora é a guerra. A guerra que só existe porque existe o egoísmo, a segregação, o preconceito. Porque o que mais existe nessa sociedade maravilhosa, é a hipocrisia, a sonsidão de fingir que não viu, que não sabia.
E aí, vêm suas consequencias.
Sem dúvida que, pesados todos os prós e os contras, a retomada completa do território (físico e emocional) dos traficantes do Complexo do Alemão será uma vitória e é motivo para comemoração.
Mas, mais do que isso, é um momento para toda a sociedade parar, refletir e constatar o óbvio:
Por que existe tráfico de drogas e a violência decorrente dele?
Porque existe consumo, ora !
O consumo tem que ser combatido. Pura e simplesmente. Tolerância zero. Sem "a", nem "b".
É crime vender, mas consumir não é ??!
Estou cansado da hipocrisia de um Brasil que critica a violência no Rio, mas contribui muito para ela, seja por estimulá-la, seja por minimizá-la, seja por ignorá-la, quando não é o prato do dia na mídia.
Estou cansado do turista desavisado e do carioca festeiro que "abraça" Lagoa, Cristo e o que for, pedindo paz.
Por que cada um desses, de vez em quando, "fuma unzinho", traga uma carreira na "festinha", procura "balas" e "doces" em "raves".
Mas não quer violência, não quer saidinha de banco, não quer ter o carro roubado, não quer tiroteio, não quer "guerra do tráfico" perto de casa (mas se for longe, dane-se, tudo bem)...
A guerra já existe e não é do tráfico, é de todos nós.
Parte do dinheiro das drogas, invariavelmente, vai parar na mão desses bandidos armados dos morros que, eventualmente, vão matar alguém: Eles próprios, um infeliz na rua, um amigo seu, um familiar... Ou você.

Eu disse parte do dinheiro, porque outra parte, provavelmente maior, com certeza vai para outras pessoas:
os verdadeiros traficantes.
Estes não moram no morro, não nasceram pobres, não falam errado, não empunham fuzis, bazucas e granadas, não são negros, pardos ou feios.
Eles moram em bairros, condomínios, casas e apartamentos muito bons. geralmente nasceram na classe média alta ou alta, são bem educados e cultos.
Quase sempre são brancos com sobrenomes "tradicionais" ou "respeitáveis". Não assaltam à mão armada, mas a golpes de caneta. Quando roubam, é na casa de milhões e bilhões. Tem conexões nas forças de segurança, no governo, na "mídia".
Eles se sentem confortáveis e se sentem intocáveis.

Espero que um dia, o mais rápido possível, haja "invasões", não só de morros,mas de residências de Barra da Tijuca, Recreio, Joá e boa parte dos endereços nobres da Zona Sul. E que o mesmo ocorra em outros endereços nobres de São Paulo, Brasília e pelo Brasil afora, pois muitos bandidos não estão no Rio, nem são daqui.
Estou sonhando grande demais?
Bem, fazer isso não custa nada, e seria muito triste, não poder nem sonhar.

E não tem nada mais pobre de espírito do que sonhar pequeno.


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