sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

O que se vê e o que se sente

Cecília que me perdoe a paródia trágica, mas, com a desculpa esfarrapada da intertextualidade, ela é inevitável.
Ou, traduzindo em bom português: eu simplesmente não tenho palavras boas o bastante para me expressar sobre todo o horror à volta, e busco pegar "emprestado" o saber dos grandes, dos iluminados como ela.

Neste momento em que escrevo, já passam de 530 os corpos encontrados e reconhecidos oficialmente como perdas humanas, na tragédia da Região Serrana do Estado do Rio de Janeiro, neste torrencial e claustrofóbico janeiro, do abençoado ano da graça de 2011.
Areal, São José do Vale do Rio Preto, Sumidouro, Petrópolis, Teresópolis, Nova Friburgo. Áreas ricas e pobres. Todas, destruídas.
Sabemos que é só o começo, que o número de vítimas aumenta à medida que as buscas avançam e novas chuvas, novos deslizamentos, novos desastres, novos corpos chegam, sem cerimônia.
Falta de luz, de água, de esgoto, de comunicação, de moradia, falta de estruturas, de todo o tipo. Fome, sede, dor, choro, doença vêm logo atrás, rapidamente. Roubos, saques, arrastões, o total desrespeito por aqueles que estão, literalmente, na lama, vêm ainda em seguida.

E, acima de tudo, o pior não é o que se vê, o que se lê, o que se ouve, nem mesmo é o que se pensa, mas é o desespero do que se sente, e de quando se percebe o que o outro sente e que, de fato, sente.

É o terror de se sentir compaixão, que não chega a ser maior do que nosso egoísmo ou nosso comodismo em não fazer algo real por aqueles que agora sofrem.
É o terror de se perceber que tudo isso é trágico, não porque é terrível em si, mas porque irá se repetir ainda outras vezes se não fizermos aquele algo real e logo.
É o terror de se sentir culpado por não se sentir, ou não se ser, na verdade, mais consciente e mais solidário do que outros, a quem tantas vezes criticamos.
É o terror de se perceber que há aqueles que não sentem nada disso, que se sentem muito bem, não se importam, e ainda se aproveitam imoral e ilicitamente da situação.

E o principal, o terror de que nada mudará - e nos atingirá - se não mudarmos.

Covardemente, e em nome da auto preservação da alma, tento fechar os olhos e ouvidos para não sucumbir ao desespero de me reconhecer ridiculamente pequeno e totalmente inútil diante de tanta desgraça. Não tenho coragem de mudar e ser um homem melhor porque o mundo precisa que eu seja.

O pouco que fazemos, ou mesmo o muito que fazemos, neste momento, é ainda pouco. Porque o problema não é só deste momento, nem se resolverá só nele. O problema é histórico, estrutural, político, mas é sobretudo moral.

Quando isso mudará ? Não sei, mas com certeza quando começar, então olharemos o outro como alguém, como nós mesmos, não apenas como um algo qualquer que aconteceu e que, incomodamente, perturbou nosso ritmo, nossos planos, nossa paz.
E esta é a mudança essencial de que precisamos como uma sociedade, supostamente, democrática.

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